Termos semelhantes:
Vulvodynia, vestibulite vulvar, hiperestesia vulvar, vulvodínia e síndrome de ardor vulvar, vulvodínea, vestibulodínia.
“Tenho muita dor na vagina. Já tratei com todo tipo de medicação e nada resolve.”
“Tive muitos episódios de candidíase. Não tenho mais o corrimento, exames estão negativos, mas a dor me persegue.”
“Achava que era ressecada e não conseguia ter relação por dor. Mas com o tempo passei a ter o incomodo mesmo sem a penetração. Sinto muita queimação na entrada da vagina. Ninguém sabe o que eu tenho, Dra. Preciso de ajuda.”
“Quando toco na região logo antes da entrada da vagina sinto uma dor absurda. Consultei muitos médicos e até hoje não resolveu. Pesquisei na internet e acho que é vulvodínia.”
Vulvodínia é o desconforto ou dor vulvar crônica, presente por pelo menos 3 meses, sem causa identificável, doença mal compreendida e multifatorial de grande impacto na qualidade de vida das mulheres. Maior desafio é o diagnóstico, sendo comum a mulher passar por vários atendimentos sem sucesso até conseguir um profissional que conheça a doença.
Condição limitante caracterizada por:
- ardência,
- irritação,
- coceira,
- sensação de “picada”,
- fisgadas,
- dor intensa ao toque ou tentativa de penetração ou sensibilidade à pressão,
- dor durante a relação sexual e em outros casos mesmo sem relação sexual,
- desconforto com inserção de tampões, coletores e aplicadores vaginais,
- piorar com o uso de roupas justas, exercícios como cavalgar e andar de bicicleta em alguns casos,
- impactos emocionais decorrência da impossibilidade de ter relação sem dor como questionamentos sobre a feminilidade, inseguranças com relacionamento, ansiedade, depressão e evitação de parceiros.
Esses sintomas acometem a região genital da mulher, principalmente na área do intróito e face interna dos pequenos lábios, podendo se estender até o clitóris. Se não tratada, essa doença pode comprometer a qualidade de vida, impactando a sexualidade na grande maioria de mulheres portadora somada aos impactos psicológicos presente em algumas dessas.
As mulheres afetadas podem sofrer incômodo ao realizar tarefas simples, como andar de bicicleta e usar calça jeans, ou até mesmo durante o ato sexual, impedindo o toque íntimo e a penetração. Como outras doenças que causam dor nessa região, a evolução será para redução do desejo sexual, dificuldade de orgasmo, redução da frequencia de relações sexuais e com isso impacto direto na satisfação sexual do casal.
Geralmente ela é confundida com outras infecções, em especial com a candidíase, o que acaba retardando o diagnóstico e podendo até agravar os sintomas.
A vulvodínia não tem uma causa específica, mas pode estar associada a questões psicológicas, hormonais, história de candidíase de repetição, dermatites ou traumas na região, maior percepção da dor entre outros. A teoria mais aceita seria a de dor neuropática iniciada por lesão primária ou disfunção do sistema nervoso com terminações nervosas nociceptivas em maior número e calibre, que podem contribuir para maior sensibilidade.
Diagnóstico de Vulvodínia
O diagnóstico é de exclusão, ou seja, afastamos outras causas para então fechar o diagnóstico dessa doença. Mas a hipótese deve ser lembrada já na primeira consulta e alertar a mulher sobre essa possibilidade.
Uma conversa detalhada para saber sobre sintomas e situações agravantes, estresse, medicamentos, infecções do trato geniturinário (vaginose, candidíase, condiloma, tricomoníase e infecção urinária), cirurgias e traumas na região é necessária. Além de afastar a possibilidade de irritantes como sabonetes e absorventes.
Outras condições estão frequentemente presentes em mulheres com vulvodínia:
- síndrome da fadiga crônica,
- cistite intersticial,
- fibromialgia,
- síndrome do intestino irritável,
- estresse pós-traumático,
- depressão,
- enxaqueca,
- candidíase recorrente.
No exame físico a área externa deve ser avaliada antes da tentativa de realizar o exame especular, que nesse caso servirá para afastar infecções e possibilitar coletas de material. Em algumas situações evitamos a manipulação do canal vaginal em um primeiro momento para evitar maior reforço aos momentos de dor. Outro ponto importante é a avaliação de contratura muscular involuntária pensando em vaginismo. Mais um desafio, já que mulheres com vulvodínia também podem apresentar defesa durante o exame físico contraindo por medo de sentir dor.
Utilizamos o Teste do Cotonete (Q-tip test) para identificar os pontos dolorosos e acompanhar a evolução e resposta ao tratamento.
Na vulvodínia localizada, 80% dos casos, temos dor ao toque em uma área específica, geralmente vestíbulo (vestibulodínia), clitóris (clitorodínia) ou unilateral (hemivulvodínia).
Na sua apresentação generalizada, a dor ou queimação na vulva, pode incluir monte pubiano, grandes e pequenos lábios, vestíbulo e períneo.
Muitas mulheres não falam durante a consulta que sentem dor na relação sexual por achar que é normal. Nesse contexto, a postura ativa dos profissionais de saúde perguntarem sobre a vida sexual da paciente é fundamental.
Tratamento para Vulvodínia
O tratamento é realizado de forma multidisciplinar, alinhando:
- consulta com ginecologista experiente em vulvodínia,
- medicamentos tópicos e orais,
- medidas comportamentais e dieta
- terapia sexual e psicoterapia,
- fisioterapia pélvica,
- e em alguns casos tratamento cirúrgico com vulvectomia para vulvodínia.
Iniciamos pela adequação da higiene íntima com produtos menos irritantes e hipoalergênicos, assim afastamos a possibilidade de irritativos.
Você precisará checar o tipo de absorvente, sabonete, hidratante e lubrificante.
Estimular mudanças e adaptações no estilo de vida pode aliviar os sintomas de vulvodínia ou até permitir o diagnóstico diferencial com processos alérgicos e dermatites vulvares.
Os cremes de estrogênio vaginais são indicados nos casos de ressecamento identificados no exame físico, presente na vaginite atrófica.
Os cremes com anestésicos locais como a lidocaína podem proporcionar alívio imediato em momentos de crise. É usado tanto em uso diário para reduzir a hiperalgesia vulvar quanto antes do coito/penetração. No caso do uso para ter relação eu particularmente não indico. O anestésico tirará a sensibilidade da mulher ou seja ela não sentirá dor, mas possivelmente também não sentirá as sensações positivas e haverá risco do parceiro ter contato com a anestésico e mudar a sensibilidade no momento da penetração, podendo ocorrer perda de ereção. Deve ser avaliado caso a caso, mas confesso que não costuma fazer parte da minha prática clínica indicar anestésico para o momento do ato sexual. Para uso diário em formulações associada a outros componentes como, antidepressivos tópicos como a gabapentina e amitriptilina, tenho experiências positivas.
O uso oral de Amitriptilina, gabapentina, venlafaxina, duloxetina e topiramato na tentativa de tratamento da dor neuropática também é tratamento de escolha. Podem ser associados ou não à triancinolona. Esses medicamentos orais com ação central podem diminuir a dor quando essa também é central, alterando a transmissão de impulsos dolorosos. Após 4 semanas de uso a paciente começa a ter alívio da dor. Equilíbrio entre os efeitos benéficos e os efeitos colaterais (sonolência, boca seca, constipação, ganho de peso) deverá ser levado em consideração.
A dieta com redução de oxalato de cálcio urinário é recomendada apesar de questionável em alguns estudos. O oxalato de cálcio é uma substância irritante, encontrado em alimentos como espinafre, chocolate, amendoim, beterraba e fibras do trigo. Ele é excretado pela urina e pode estar associado à queimação vulvar quando em níveis elevados. A redução da ingesta de alimentos com oxalato de cálcio e a suplementação da dieta com citrato de cálcio (que inibe a absorção do oxalato, diminuindo os sintomas da dor) pode funcionar para algumas pacientes.
A vulvodínia aumenta o risco de desenvolver depressão e ansiedade. Por outro lado, as mulheres com transtornos de humor ou ansiedade tem quatro vezes mais chances de desenvolver vulvodínia. O diagnóstico, acompanhamento e tratamento das doenças psiquiátricas são fundamentais para o correto manejo da dor.
A Terapia com Psicólogo ou Terapeuta Sexual pode ajudar a amenizar os efeitos psicológicos da dor e o impacto na auto-estima e relacionamentos. Estudos mostram benefício claro com a Terapia Cognitivo Comportamental e Mindfulness para melhora da dor durante o ato sexual nessas pacientes e para manejo da ansiedade. A Terapia Sexual é indicada para ajudar os casais a descobrirem alternativas de atividades sexuais sem dor.
A Fisioterapia Pélvica para realização dos exercícios para o assoalho pélvico sob supervisão e a eletroneuroestimulação elétrica transcutânea (TENS) vaginal também apresentam comprovação científica e são indicadas para vulvodínia.
Pesquisas estão acontecendo para uso de laser CO2 e Led porém ainda sem significância estatística. A Aplicação de Toxina Botulínica não apresentou resposta nos estudos.
Tratamento Cirúrgico de Vulvodínia
Em alguns casos o tratamento cirúrgico com vulvectomia para Vulvodínia pode ser uma opção.
- Pacientes com dor localizada provocada,
- ou quando a sensibilidade acontece com toque mesmo que com leve pressão,
- sem que o sintoma apareça espontâneamente,
- e sem que ocorra dor contínua.
Apesar de aproximadamente 85% das pacientes relatarem cura ou melhora notável dos sintomas após a cirurgia, existe o risco de recorrência de sintomas ou piora da dor.
Essa doença ainda é incompreendida e precisa de mais estudos ajudando a guiar o melhor tratamento para cada caso. A excisão cirúrgica geralmente era evitada e reservada para pacientes com sintomas graves, refratários, e debilitantes localizados no intróito vaginal. Agora ganha espaço. As novas correntes apontam que o tratamento cirúrgico possa ter sucesso em 60 a 100% dos casos e que não precisaria ser apenas indicadas em situações extremas.
Várias técnicas cirúrgicas têm sido adotadas:
- excisão local, nos casos onde é possível delimitar pequeno trecho de hipersensibilidade ao toque,
- vestibulectomia total, a técnica mais empregada,
- associada ou não a perineoplastia.
A ressecção da mucosa vestibular acompanha, habitualmente, à excisão do anel himenal e porção adjacente da mucosa vaginal posterior seguida de confecção de retalho para cobrir a região. Anteriormente, abordagem também da mucosa que circula o meato uretra até a porção periclitorideana.
As técnicas que aplico com maior frequência são: a excisão local e a vestibulectomia modificada sem tensão tendo como margens a face interna do anel himenal e a face externa, a linha de Hart. Ambas realizadas com anestesia local e com a paciente acordada. As tecnologias utilizadas para realização são Laser Cirúrgico ou Radiofrequência Ablativa.
O afastamento do trabalho varia de 7 a 14 dias a depender do tipo de profissão e da evolução do caso.
Após 60 dias a paciente retorna para avaliação e só nesse período realizamos o teste de sensibilidade para avaliar a resposta ao tratamento.
Somente após essa avaliação de 60 dias de pós-operatório para retornar relações sexuais.
A Fisioterapia pós-operatória tem papel importante.
Ainda não existe técnica padrão para realização desse procedimento. Ainda não temos publicações consistentes que direcionem quem deve ou não ser submetido a procedimento cirúrgico. A recomendação anterior seria de que a abordagem cirúrgica seria apenas em casos refratários, porém publicação em 2020 ASCCP indicou desfechos favoráveis, sugerindo a possibilidade de aborgadem precoce. Em nosso serviço avaliamos caso a caso e decidimos com a paciente a melhor proposta.
Desafios para Mulheres com Vulvodínia
Desafio 1: Sou uma mulher normal apesar de querer e não conseguir ter penetração vaginal? Pontos relacionados à autoimagem e a identidade feminina desvinculada do papel da mulher em relação ao homem. Ressignificação do papel da mulher no relacionamento.
Desafio 2: Necessidade de bolar estratégicas para manejar a dor, quando a mulher opta por não falar sobre o diagnóstico com a parceria sexual.
Desafio 3: Dificuldade em ser clara sobre a doença com o parceiro pelo medo de impactar negativamente o relacionamento.
Desafio 4: Conseguir falar sobre vulvodínia com o parceiro da maneira que ele entenda a doença e os impactos que geram o silêncio sobre o assunto e a demora em falar.
Desafio 5: Lidar com os sentimentos de ter sido enganado (quando o parceiro é o mesmo de antes do diagnóstico) e sentimentos de rejeição por parceiros após o diagnóstico (quando não entendem o motivo de evitar contato físico).
Desafio Estrelinha: Decidir não ter mais penetração com dor. Interromper o ciclo de manter o relacionamento e permitir sexo com dor ou achar que é normal sentir dor.
“Não quero mais ter sexo com dor!” Quando essa decisão é tomada e a mulher resolve que não passará mais por isso existem dois caminhos: A busca por tratamento ou a decisão de evitar relações sexuais.
Algumas mulheres começam a evitar relacionamento e rejeitam parceiros pelo medo da dor e preferindo parceiros não tão interessados em sexo.
Os desafios são diferentes quando estamos diante de relacionamento que já existia antes do diagnóstico de quando o relacionamento começa após o diagnóstico.
A oportunidade de contato sexual com preliminares e a necessidade de não focar apenas na penetração, no geral, como no vaginismo, pode resultar em desfecho positivo ao final. Quando as crises são superadas, esses casais podem ter vida sexual melhor do que outros casais que vivenciam a sexualidade rápida, sem profundidade, sem conexão e nunca tiveram o desafio de superar o sexo-doloroso.
Resumindo, procure uma ginecologista atualizada sobre o tema e atenta aos cuidados não só da Vulvodínia como doença, mas atenta aos desafios que podem ocorrer. O Suporte da Psicoterapia também é ponto importante tanto no contexto individual como, em alguns casos, do casal.
E o principal: Se o tratamento falhou, a Culpa não é sua!
Papo Reto para o Parceiro de quem tem Vulvodínia
Sua parceira finalmente conseguiu comunicar com você sobre Vulvodínia. Sua ajuda é fundamental para que a sua mulher não sinta que deve escolher entre cuidar da saúde ou manter o relacionamento com você. Durante o tratamento, busque alternativas de intimidade entre vocês enquanto a penetração só ocorreria, infelizmente, na presença de dor.
Quando a mulher decide não ter mais dor e busca o tratamento, a pressão do parceiro ou o discurso que gera culpa ou insegurança só dificultam o tratamento.
É comum mulheres abandonarem o acompanhamento por acharem que sempre sentirão dor e aceitam essa condição. Não precisa ser assim. Por isso preciso tanto do seu apoio, como companheiro, para conseguir tratá-la.
Não temos cura para essa patologia ainda, mas nosso objetivo é melhorar a qualidade de vida de vocês e conseguir restaurar a funcionalidade principalmente para que a dor não esteja presente (nem de forma calada e sofrida).
Alguns parceiros se sentem enganados quando descobrem que a parceira sentia dor. Entendo. Só faço o convite para nos colocarmos no lugar de quem tem a dor e a frustração de não ter encontrado a solução ainda. A maioria das mulheres esconde a dor e tolera a dor por medo e insegurança. É hora de fortalecer a relação e reduzir esse medo e a insegurança, não o contrário. Casais que superam quadros assim juntos saem fortalecidos e em geral desenvolvem a sexualidade de forma mais profunda. Pense nisso.
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